A ideia da secessão sempre foi sistematicamente demonizada pelos seus oponentes. As acusações feitas aos defensores da secessão vão desde racismo e preconceito a antipatriotismo. Para tais pessoas, é inaceitável que um indivíduo tenha o direito de não mais pertencer a um arranjo cujo governo ele julga ser um violador sistemático de seus mais básicos direitos.
O conceito de secessão é simples: se um governo não mais protege os direitos de um indivíduo, então esse indivíduo deve ter o direito de abolir sua subserviência a esse governo. Ato contínuo, um grupo de indivíduos pode renunciar à sua subserviência ao governo vigente e formar um novo governo, por exemplo.
No entanto, essa simples noção de descentralização é vista como reacionária e atrasada, ao passo que o nacionalismo e a centralização são arranjos retratados como progressistas e inevitáveis. Sempre que uma unidade política pequena mostra seu desejo de se separar de uma unidade política grande — como a Catalunha da Espanha, Veneza da Itália, e Escócia do Reino Unido —, suas motivações são rotuladas como vergonhosas e perversas, ao passo que as motivações do governo central que quer impedir essa secessão sempre são patrióticas e abnegadas.
Como sempre, campanhas de desinformação têm o intuito de fazer com que ideias potencialmente libertadoras sejam vistas como tóxicas e perigosas, e transmitem a mensagem de que uma pessoa que queira aceitação e popularidade deve se manter longe de qualquer ideia — nesse caso, a secessão — que o regime tenha condenado.
Mas quando deixamos as calúnias e as desinformações de lado, percebemos que o apoio à secessão significa simplesmente o seguinte: é moralmente ilegítimo utilizar a violência do estado contra indivíduos que optaram por se agrupar de maneira distinta daquela que o atual regime decidiu agrupá-los. Eles apenas preferem viver sob uma jurisdição distinta. Libertários consideram inaceitável agredi-los por isso.
Hoje já está bem documentado o fato de que foi a ordem política descentralizada da Europa que tornou possível o surgimento da liberdade. A ausência de uma autoridade política unificada na Europa e a vasta multiplicidade de pequenas jurisdições colocaram um limite estrito sobre as ambições de qualquer monarca. A capacidade dos indivíduos se locomoverem de um lugar para o outro significava que um monarca perderia sua base tributária caso sua opressão se tornasse intolerável.
O pensador Frank Chodorov fez a mesma observação:
Quando o indivíduo é livre para se locomover de uma jurisdição a outra, surge um limite ao grau com que um governo pode utilizar seus poderes monopolísticos. O governo se torna refém do medo de perder cidadãos pagadores de impostos, e isso restringe suas ações totalitárias da mesma maneira que o temor de uma perda de clientes impede que alguns monopólios se tornem muito arrogantes.
Nenhum tirano jamais defendeu um poder descentralizado ou dividido, o que explica por que todos os totalitários do século XX eram oponentes inflexíveis do federalismo.
Ou, como escreveu Mises em 1927:
A circunstância de se ver obrigado a pertencer a um estado, contra a própria vontade, por meio de uma votação, não é menos penosa do que a circunstância de se ver obrigado a pertencer a esse estado em razão de uma conquista militar (Liberalismo — Segundo a tradição clássica, p.137).
Mises já havia compreendido que a democracia não apenas não era um substituto para uma sociedade liberal, como na realidade era sua inimiga. Mais uma vez, ele foi provado correto: quase 100 anos depois, fomos conquistados, ocupados e subjugados pelo estado e pelo seu falso verniz das eleições democráticas. O governo federal se tornou hoje o suposto gerente de praticamente todos os aspectos de nossa vida econômica e social.
E é exatamente por isso que devemos levar a sério a ideia da secessão, tanto em termos conceituais — pois é consistente com o libertarianismo — quanto como uma real alternativa para o futuro.
Alguém realmente acredita que um estado social-democrata, multicultural e fisicamente vasto, com mais de 200 milhões de pessoas, com interesses econômicos, sociais e culturais bastante diversos, pode realmente ser gerenciado para sempre por burocratas localizados em uma cidade isolada, sem que isso gere conflitos sociais e disputas econômicas?
Alguém realmente acredita que podemos nos unir sob um estado que faz de tudo para nos dividir? A retórica é sempre a de ricos contra pobres, brancos contra negros, homens contra mulheres, conservadores contra progressistas, cristãos contra agnósticos, gays contra tradicionalistas, pagadores de impostos contra beneficiados por impostos, sul e sudeste contra nordeste, e políticos corruptos contra todos?
Francamente, parece estar claro que o governo federal está propenso a fazer uma balcanização do país. Sendo assim, por que não buscar maneiras de fazer essa separação de maneira racional e não-violenta? Por que rejeitar e desprezar a secessão, que é justamente a alternativa mais pragmática e óbvia?
Movimentos secessionistas representam a derradeira esperança para recuperarmos a grande tradição liberal-clássica e toda a civilização que ela possibilitou. Em um mundo que se tornou esclerosado pelo poderio estatal, a secessão oferece a esperança de que sociedades genuinamente livres, organizadas em torno de mercados e de interações voluntárias em vez de coerção e governos centralizados, ainda podem existir.
A secessão tem de ser “de baixo para cima”
“Mas como tudo isso poderia realmente acontecer?”, é o que você deve estar pensando. Para criar um movimento secessionista viável não seria necessário convencer a maioria da população — ou pelo menos uma maioria do eleitorado — a se juntar a uma campanha política maciça, tipo as eleições presidenciais?
Não, de jeito nenhum. Construir um movimento libertário secessionista não necessita de uma organização política massificada: com efeito, fazer movimentos políticos nacionais que tentem agradar a esquerda e a direita será, além de ingênuo, um enorme desperdício de tempo e de recursos escassos.
Em vez disso, o foco deve ser uma resistência local ao governo federal na forma de uma “revolução de baixo para cima”, como Hans-Hermann Hoppe explica em detalhes aqui.
Temos de utilizar, de maneira defensiva, todos os espaços que o governo ainda nos permite e que ele ainda não ocupou: assim como o uso da força só é justificável em caso de autodefesa, o uso de meios democráticos só é justificável quando utilizado para se alcançar fins libertários, não-democráticos e a favor da propriedade privada.
Em outras palavras, uma insurreição de baixo para cima utiliza tanto a persuasão quanto mecanismos democráticos para se alcançar a secessão em nível individual, familiar, comunitário e, finalmente, local — de inúmeras maneiras, isso envolve simplesmente ignorar o governo central em vez de tentar inutilmente conformá-lo aos nossos desejos.
A secessão, corretamente entendida, significa retirar o consenso em relação ao governo e simplesmente se retirar desse arranjo — e não tentar capturar o governo politicamente para “converter o rei”.
A secessão não é um movimento político
Por que o caminho para a secessão não é político, pelo menos em nível nacional? Francamente, qualquer ilusão sobre “uma tomada libertária do aparato político” é pura fantasia; e mesmo se realmente houvesse uma mudança radical na mentalidade da população, o exército de milhões de funcionários públicos federais simplesmente não irá desaparecer.
Convencer a população a adotar um sistema político libertário — mesmo que tal paradoxo fosse possível — é um esforço inútil em nossa atual cultura estatizante.
A política é um indicador retardatário. A política segue a cultura. A cultura comanda, a política segue. Não haverá nenhuma mudança política enquanto não houver uma mudança filosófica, educacional e cultural. Ao longo dos últimos 100 anos, a mentalidade estatizante assumiu o controle da educação, da mídia, das artes, da literatura e da cultura popular — e assim, em consequência disso, eles tomaram o controle da política. Não ocorreu ao contrário. Primeiro houve a mudança cultural, depois a veio a política.
É por isso que o nosso movimento, o movimento libertário, tem de ser uma batalha pelos corações e mentes. Tem de ser uma revolução intelectual de ideias, pois, neste exato momento, as ideias ruins estão dominando o mundo. Não é possível esperar que ocorra um milagre político libertário em uma sociedade não-libertária.
Sim, é verdade que a filosofia da liberdade está crescendo ao redor do mundo, e há indícios de que ela está ganhando corações e mentes. Esse é o momento de sermos ousados, e não de sermos pessimistas. Porém, o libertarianismo jamais será um movimento político de massa, isto é, defendido pela maioria da população.
Várias pessoas sempre irão defender o estado, e não devemos nos iludir quanto a isso. Pode ser por causa de traços genéticos, de fatores ambientais, de influências familiares, de uma escolaridade tendenciosa, ou simplesmente por causa de um inato desejo humano de querer a ilusão da segurança.
No entanto, será um erro fatal querer diluir a nossa mensagem apenas para buscar aprovação de pessoas que automaticamente serão sempre contra nós. Será uma perda de tempo e energia preciosos.
O que é importante não é tentar convencer aqueles que fundamentalmente discordam de nós, mas sim tentar sair do controle político deles.
É por isso que a secessão é uma abordagem taticamente superior: é muito menos hercúleo convencer pessoas de mentalidade pró-liberdade a sair de um arranjo estatal do que convencer aqueles de mentalidade estatista a ignorar o estado.
O que tanto os progressistas quanto os conservadores não entendem — ou, ainda pior, talvez entendam perfeitamente — é que a secessão fornece um ambiente que genuinamente tolera a diversidade, pois ale cria um arranjo em que pessoas de cultura, religião e comportamento distintos não estão todas sob a mesma canga estatal e não mais são obrigadas a conviver sob as mesmas regras. A secessão fornece um arranjo que permite que pessoas com visões e interesses completamente divergentes vivam pacificamente como vizinhos, em vez de serem obrigadas a sofrer sob um mesmo governo central que as joga umas contra as outras.
Por fim, vale fazer uma ressalva importante: a secessão é um direito individual. Isso significa que ela não é uma obrigação coletiva, e não pode imposta a quem não a quer. Sendo assim, ainda que a maioria da população que vive em um determinado território queira se separar do governo central, ela não pode obrigar os outros moradores que não queiram se separar a participar da secessão. A secessão não é uma questão de maiorias ou minorias, mas sim de indivíduos.
A questão foi abordada com insuperável clareza pelo maior liberal clássico de todos, Ludwig von Mises:
O direito à autodeterminação, no que tange à questão da filiação a um estado, significa o seguinte, portanto: quando os habitantes de um determinado território (seja uma simples vila, todo um distrito, ou uma série de distritos adjacentes) fizerem saber, por meio de um plebiscito livremente conduzido, que não mais desejam permanecer ligados ao estado a que pertencem, mas desejam formar um estado independente ou tornar-se parte de algum outro estado, seus anseios devem ser respeitados e cumpridos. Este é o único meio possível e efetivo de evitar revoluções e guerras civis e internacionais. (Liberalismo — Segundo a tradição clássica, p. 128)
E ele conclui enfatizando que esse direito se estende:
aos habitantes de todo o território que tenha tamanho suficiente para formar uma unidade administrativa independente. Se, de algum modo, fosse possível conceder esse direito de autodeterminação a toda pessoa individualmente, isso teria de ser feito. (Liberalismo — Segundo a tradição clássica, p.129)
A tarefa de convencimento será árdua, mas terá de ser feita. As ideias mais comuns atuais são centralização, redistribuição, inflação, protecionismo e privilégios. A ideia mais incomum é a liberdade. Se não fizermos, ninguém fará por nós.
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Autores:
Lew Rockwell, chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.
Jeff Deist é o atual presidente do Ludwig von Mises Mises Institute.